sábado, 29 de janeiro de 2011

Verão


Sob calor superior a 40 gaus, Copacabana faz a alegria dos banhistas numa praia entulhada de corpos molhados de suor. Turistas acotovelam-se na beira-mar, a água fria provoca choques térmicos e os vendedores suados, bufantes, cobrem o espaço da areia com seus produtos contra a sede. O vendedor de sacolé fatura R$12 mil por semana e o de água de coco R$400 por dia.

Na Barata Ribeiro, os bares estão com todas as mesas ocupadas e reclamam da pontualidade na entrega do chope. As fábricas não conseguem atender aos pedidos, a produção ocupa toda a capacidade instalada. Os clientes esvaziam o copo de uma só vez, ávidamente, a curtos goles, quase sem respirar.

Os velhos se abanam, disputam a sombra, o sol atravessa os chapéus, muitos desejam chuva ao mesmo tempo em que revelam o temor da destruição que pode trazer. Na esquina, Marquinhos, molhado de suor, vocifera, olha para o céu e cospe para cima.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Biutiful

A arte já mostrou muitas vezes que a poesia pode ser encontrada no lixo e este filme, com grande impacto, confirma esta verdade. Num olhar profundo e inquietante para o submundo de Barcelona, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu comprova o talento que já mostrou em obras como Amores Brutos (Amores Perros), Babel e 21 Gramas.

Iñarritu tem uma linguagem pessoal, anti-hollywoodiana. Em Biutiful, conta com um elenco de grandes atores, liderado por Javier Bardem. Sua personagem, Uxbal, cuja vida atormentada despenca numa queda livre, tem a transcendência dos anti-heróis trágicos cujo destino está traçado e dele é impossível afastar-se.

A triste realidade dos imigrantes clandestinos na Espanha, a corrupção e a miséria junto com o drama da doença e da morte fazem o pano de fundo para uma história de angústia sem salvação. Num mundo que não admite a redenção e só reconhece o fracasso.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Um bicho da terra tão pequeno




A postagem de ontem talvez ficasse melhor ilustrada com a última estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas:




No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Depois da chuva


A cidade rescende um clima angustiado e depressivo e o calor parece aumentar essa atmosfera de luto. A morte de setecentas pessoas toca a todos porque poderia ter acontecido a qualquer um e expõe nossa fragilidade.

Havia a crença de que apenas os pobres da periferia e das encostas estavam ameaçados pelas tempestades e inundações. As últimas chuvas vieram provar que a tragédia não escolhe suas vítimas pelo nível da renda.

Mas o noticiário traz os exemplos: quanto mais pobre o país, maior é o número de mortos nos desastres da natureza. O sofrimento do Haiti é maior que o da Australia.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Velhos bistrôs


A ânsia de modernidade pouco a pouco vai mudando a cara dos bistrôs parisienses. Surgem novas casas, com a decoração da moda, clean e impessoal, bem ao gosto dos padrões novaiorquinos. Mas alguns dos velhos bistrôs resistem com força e galhardia.

O La Grille de Montorgueil (50, rue Montorgueil) mantém o espírito da velha rua e no cardápio exibe pratos como L’os à la moelle, um osso com tutano feito no forno de sabor fino, untuoso, incomparável.

Já no Chez Denise, também conhecido como La Tour de Montlhery (5, rue des Prouvaires), reina a tradicional cozinha burguesa num ambiente que nada mudou nos últimos 60 anos. Jacque, o patrão, morreu nos anos 90 mas Denise continua no comando desse bistrô sempre cheio dos habitués na busca de um mouton aux haricots, da choux farcie ou da tête de veau, obra-prima da cozinha popular da França.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Quai Branly


Desde Louis XIV, com o Palácio de Versalhes, os governantes franceses amam deixar sua marca construindo monumentos que pretendem eternizar sua passagem. Napoleão, com o Arco do Triunfo, entre outras grandes edificações; Napoleão III com suas pontes sobre o Sena, Pompidou com o centro que levou o seu nome, Miterrand com as pirâmides do Louvre, todos tentam preservar a própria memória.

Jacques Chirac, que deixou o governo em 2007, inaugurou um ano antes de terminar seu mandato o Museu do Quai Branly, uma bela arquitetura que abrigou o antigo Museu do Homem e se convertou no Musée des Arts et Civilisations d’Afrique, d’Asie, d’Océanie et des Ameriques, culturas denominadas não ocidentais.

Sua museologia é clássica, com poucos recursos oferecidos pela moderna tecnologia, mas o projeto arquitetônico do célebre Jean Nouvel é criativo e de uma beleza extraordinária.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Même la pluie


Icíar Bollaín, bela atriz espanhola, resolveu aceitar os desafios da direção e aparece agora com o seu nono filme, Même la pluie (También la lluvia, no original), que acaba de estrear em Paris. Alguns exageros retóricos de um roteiro político não comprometem a qualidade final de uma história bem contada, apoiada num elenco emocionalmente engajado no protesto contra as seculares iniquidades da América Latina.

Rodado na Bolívia, o filme trata de um outro filme, este sobre a chegada de Colombo à América e se detém na luta dos indigenas do continente contra o cruel colonizador, que o submete e o escraviza.

Passando-se no ano 2000, antes portanto da chegada de Evo Morales ao poder na Bolívia, a história contada por Icíar denuncia a exploração desses povos pelas diferentes formas de poder, no passado e no presente, e até pela própria produção do filme que ela está dirigindo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sob chuva


O frio úmido de Paris não respeita agasalhos, penetra pelos tecidos. Acabou a neve mas hoje chove miúdo, fazendo lembrar a “triste chuva de resignação” do poema de Bandeira. A cidade no entanto é bela, mesmo sob a chuva de inverno.

Entre as dezenas de exposições, destaca-se a das Galeries nationales du Grand Palais: a obra de Claude Monet, o impressionista que abriu as portas para a arte moderna. É a mais importante das exposições dedicadas a este artista nos últimos trinta anos, desde 1980, quando foi feita em forma de homenagem uma retrospectiva da sua obra.

Nos cinemas, entre as estréias da semana destaca-se Somewhere, de Sofia Coppola, cineasta que nos últimos tempos tem se dado melhor do que o pai, e o espanhol Même la Pluie (Even the Rain) de Iciar Bollain, que parece interessante.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Imigrantes


A classe média francesa não anda nada satisfeita com os imigrantes estrangeiros, principalmente os que vêm dos países da África. Colonizados pelos franceses, chegam falando francês mas trazem a marca da pobreza e da sua própria cultura.

A sociedade branca tem dificuldade em absorver esta nova população, que é colocada à margem e os jovens reagem com revolta promovendo desordens, queimando automóveis.

O antigo país das liberdades e da tolerância, onde a polícia nem carimbava os passaportes de quem chegava, perdeu a inocência e encontra-se hoje policiado e atento a quem vem de fora. Fecha-se, tem medo e endurece.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Três lugares


Três lugares interessantes no último dia do ano. O Forum é um botequim de bom gosto, de ambiente inspirado, onde às quartas e sábados se reunem os feirantes de Cahors para beber um copo de vinho. A bela e sóbria decoração atrai também as mulheres bem vestidas que vieram às compras e se reunem para um café e saber das novidades.

O Auberge des Gabarres, frequentado ao mesmo tempo por operários e notáveis da cidade, é um restaurante incomparável, onde Jaja dá conta da cozinha e Alain, o marido, atende sozinho às 16 mesas sempre ocupadas. O segredo é o menu único, composto de uma sopa, entrada, prato principal e sobremesa. E vinho copiosamente. Tudo a 22 euros por pessoa.

Na Nuit de St. Sylvestre, como os franceses chamam o reveillon, um lugar calmo e sem barulho, a não ser o que faz o maitre, à meia noite, percorrrendo o salão e batendo com uma colher de pau numa panela. Le Balandre é administrado pela mesma família há três gerações e o chef Gilles Marre o mantém como uma referência da gastronomia do Sudoeste.