quarta-feira, 29 de maio de 2013

Manhã de maio


O dia claro ilumina a manhã de Copacabana neste final de maio, em que o mar se agita e as ruas internas exibem tráfego intenso e caótico, como sempre. Marquinhos, louco, grita para os motoristas seus impropérios ininteligíveis e a velhinha que alimenta os pombos da praça aparenta um ar cada vez mais distante. Como se não estivesse ali.

Os habitantes do bairro desfilam pelas calçadas, velhos na direção do supermercado, do banco ou da farmácia. E as belas meninas caminham na direção da praia na companhia dos pequenos grupos que saem da estação do metrô.

No botequim da esquina, reconheço seus frequentadores habituais. Entre eles distingo o homem magro que me acostumei a ver, de manhã bem cedo, tomando a primeira refeição do dia constituida de pão, manteiga e uma garrafa de cerveja.

domingo, 19 de maio de 2013

Tragédias brasileiras



Em um almoço no Antonio, há muitos anos, num 29 de abril, Gabriel Garcia Marquez surpreendeu os convivas quando perguntou “vocês se dão conta de como o Brasil é um país trágico?” Todos prestaram atenção porque até o momento estavam num ambiente alegre e todos falavam ao mesmo tempo.

Ele então mencionou o suicídio de Getúlio Vargas, uma tragédia política que marcou a segunda metade dos anos 50,  desencadeando a agitação que desembocou numa tragédia ainda maior, o golpe de 1964. Lembrou também a esperança perdida na trágica morte de Tancredo Neves antes de tomar posse.

Os assassínios da ditadura, a violência nas grandes cidades, o entorno de pobreza e miséria, tudo se juntava para acabar a euforia daquele cenário. Durante a conversa, o som ampliava a letra de “Sangrando”, na voz de Gonzaguinha (http://letras.mus.br/gonzaguinha/46287/ ), mas as pessoas da mesa ainda não sabiam que ele morrera na manhã daquele mesmo dia.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O novo homem


No post “O Desconhecido” esqueci de dizer que a busca da humanidade pelo conhecimento, uma luta maior do que as guerras que têm devastado a civilização, também não lhe trouxe felicidade. A cada mergulho no desconhecido, o homem voltou mais infeliz porque trouxe mais certeza a respeito de si mesmo, ou seja, voltou mais consciente da própria ignorância.

Como não há, em princípio, monopólio do saber, esta tem sido a maior das batalhas porque se trata de luta pelo poder. As nações são tanto mais poderosas quanto maior o acervo de conhecimento que colecionam. Vivemos a idade pós-industrial, uma época dominada pela criatividade no campo da tecnologia.

Este é o cenário em que se cria a nova sociedade, plantada sobre uma nova economia, assentada por sua vez nos papéis que se valorizam artificialmente nos pregões das bolsas. E condiciona o surgimento de um novo tipo humano. Mais ambicioso, agressivo e amedrontado.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Um poema


O não, o sim

A palavra não diante do sim multiplicado
acovarda-se no escuro, exaure seu sentido,
dirige-se ao fundo de um abismo
onde insetos se aproximam da alma dos vencidos.
Idas e voltas sob o sol do meio-dia
e a noite plena conspurca a palidez
de uma dor só na madrugada fria.

Separam-se as luzes, opacidade das águas,
elas negras de ventos e a vontade
de dizer algo mais que inquietude.
Noites como dias de tez enegrecida
e o pensamento de outrora - palavra sem sentido
na fala de um velho emudecido,
pássaro cansado de lirismo.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O desconhecido


Existe nos homens o ímpeto de conhecer o desconhecido, investigar o que possa existir alem do que foi recebido como verdade. Foi este um dos fatores que fizeram a humanidade sobreviver enquanto tantas  outras espécies desapareceram da face do planeta.

Os bichos cumprem rituais, sentem-se desconfortáveis se não repetem os mesmos comportamentos conhecidos no dia a dia, uma rotina garantindo que hoje será como ontem e antecipa o amanhã.

O que garantiu a existência humana, ao contrário, foi o lançar-se na aventura junto a uma singular capacidade de resistir e continuar vivendo. Outras espécies sentiram-se subjugadas por forças que lhes pareciam superiores.