quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Escravos

O que uma sociedade tem de melhor vem do seu estrato popular mais profundo: tradições, sabedoria, visão do mundo real vivida com o sofrimento que a acompanha. A perversa hierarquia social formou-se na posse violenta da propriedade ocorrida na infância da humanidade.

A apropriação gerou o discurso e a prática do ódio. Transformou o outro no inferno que Sartre definiu. Além de ter criado o chefe, a figura que dispõe de autoridade e mando sobre as outras pessoas. E que promoveu a organização do Estado, entidade suprema, garantidora de que as coisas continuem sempre da forma como estão, com os poderosos exercendo o seu poder e dele usufruindo.


Existem novas formas de domínio do homem sobre o homem através da divisão de tarefas mecânicas em que inexiste a reflexão mais profunda. Como o treinamento substitui o saber filosófico, um novo tipo de escravização se dissemina e aponta para o futuro.

domingo, 24 de novembro de 2013

Tédio

Alguns dias de viagem pela França me estimularam a procurar algum livro publicado recentemente, de preferência ficção, com o objetivo de reacostumar o ouvido e o pensamento à língua francesa. A opção por um romance foi motivada pela necessidade de enfrentar as esperas de aeroporto e a longa duração dos vôos com uma leitura que pudesse me absorver a atenção e ajudasse a vencer o tédio da viagem. Depois de pesquisar o balcão das livrarias, a escolha recaiu sobre La derniere conférence, de Marc Bressant, que ostentava uma faixa vermelha promovendo o livro com a informação de que ganhara o Grande Prêmio de romance da Academia Francesa.

Marc Bressant é o pseudônimo literário de Patrick Imhaus, ex-embaixador da França na Suécia e ex-presidente da cadeia TV5-Europe. Um diplomata especialista em questões de mídia, portanto. O livro deixa isto muito claro e aproveita a biogafia do autor pois trata de uma conferência diplomática internacional sobre informação e comunicação durante os dias confusos da queda do muro de Berlim e da grande crise russa e dos países da Europa do leste. O leitor ainda ganha, de quebra, as fofocas do mundo diplomático, o que se passa nos bastidores de uma longa conferência internacional, os conflitos e, para não deixar de falar de sexo, os casos amorosos que ocorrem entre diplomatas à margem de uma reunião como aquela.

leitmotiv do romance é o tédio. O tédio da diplomacia, o tédio da conferência, o tédio do narrador, embaixador francês numa tediosa crise profissional e pessoal.

Há muito que não leio um bom romance francês contemporâneo. Por onde anda a descendência de Flaubert, Camus, Gide, Genet, Sartre, Exupéry, Roger Martin du Gard e outros gigantes do romance francês?

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O Poder

O Poder se define pela capacidade de obrigar os outros a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, mesmo contra a vontade. Tem sido, junto com a sexualidade, um dos grandes motores da história, da vaidade, do sucesso e da decadência humanas. Os homens se matam não por causa do dinheiro, do amor ou da cobiça, mas pelo que isto possa vir a representar de poder.

A trajetória da ambição começa pelo acumular de riquezas para depois buscar o poder e finalmente atingir a glória, símbolo supremo não da força, mas das fraquezas humanas. Pois a fragilidade do macaco nu age de forma tão intensa sobre sua alma confusa que o faz procurar a sensação de uma suposta eternidade que a glória poderia lhe conceder.


O poder político, que na democracia emanaria do povo, é o que pode proporcionar a maior sensação de onipotência, pois reuniria a conjugação de todas as forças de uma nação. Mas esta é uma ilusão contraditória, pois é uma história que começa na euforia da ascensão e termina inelutavelmente na tragédia de um fracasso.

domingo, 17 de novembro de 2013

Os deuses

De tempos em tempos, o homem se pergunta sobre suas fraquezas  morais e as fronteiras da solidariedade, da bondade e da estupidez. O medo das manifestações naturais e a consciência ética deram origem às religiões, pois a humanidade precisava de uma sinalização superior para entender o fenômeno que a sua própria vida representava. Profetas recomendaram oferecer a outra face diante da bofetada do inimigo, na tentativa de controlar a violência inerente à espécie.

A civilização deu ao homem a falsa noção de superioridade moral diante de outras espécies animais, junto com a impressão falsa de ter superado instintos inferiores de violência e vingança.


Alguma coisa falhou na equação teológica formulada para a divindade porque surgiram deuses vingativos, onipotentes e sórdidos. Sujeitos às piores fraquezas humanas, aliadas à vocação para a violência, foram criados pelo homem à sua imagem e semelhança.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O planeta

As primeiras horas da manhã estão mais claras, por causa do horário de verão e o calor tenta se instalar. Algumas frentes frias ainda conseguem furar o bloqueio das altas temperaturas mas em breve começarão as grandes chuvas de janeiro com suas ameaças de morte e destruição. O clima tem castigado o mundo, as Filipinas acabam de sofrer o mais violento tufão da história enquanto aflora o sentimento de culpa da humanidade pela destruição do planeta.

Tirando as facilidades do consumo conspícuo, há consenso de que a Terra já foi um lugar melhor para viver.  A consciência ecológica cresce mas a destruição continua. Os países e os homens espalham seu veneno na atmosfera de um astro combalido que abriga a única forma de vida conhecida. E que vai desaparecer, porque a vida é apenas um acidente cósmico.


Cientistas, junto com profetas malucos e oráculos carolas, apegam-se uns ao conhecimento, outros ao misticismo do fim do mundo enquanto os artesãos do apocalipse continuam sua faina industrial de destruição. Alguns dizem que ainda há tempo. Mas não creio que haja vontade de mudar o trajeto na direção do fim.

sábado, 9 de novembro de 2013

A torcida do Flamengo

De manhã bem cedo, um ciclista passou veloz empunhando uma bandeira do Flamengo, anunciando que hoje é dia de Copacabana mais uma vez enlouquecer. As ruas serão tomadas por torcedores em multidões ocupando os bares, os turistas atônitos vão ter a impressão de que todo o bairro torce por um só time. E nem se trata da partida final.

Todos já usufruem antecipadamente a vitória e o campeonato, formando uma coro de vozes do Leme ao Posto Seis. Eles querem gritar gol num só alarido, acompanhados pelo espoucar dos foguetes e da buzina dos automóveis. Todos os bares já se encontram com a TV ligada e a venda de chope e cerveja baterá recordes.


Não torço pelo Flamengo, mas sempre me surpreende a festa nos dias em que este clube joga, um espetáculo de enorme, incontida alegria que contrasta com o silêncio e a depressão que toma conta do bairro quando sobrevem a derrota. Copacabana torna-se então um bairro silencioso e triste, submerso nas ondas de um mar sombrio.